Por Marcus
Eduardo de Oliveira
“Perceber que o mais importante é o social foi a
descoberta mais relevante de minha vida”
Celso Furtado, em O Longo Amanhecer
Em “Princípios de Economia”, Alfred Marshall
(1842-1924) afirma que a Economia “é um estudo dos homens tal como vivem, agem
e pensam nos assuntos diários da vida”. Gregory Mankiw
diz que “Economia é um grupo de pessoas que interagem entre si”. Das muitas definições/objetivos que o termo Economia carrega talvez a de Colin
Clark (1905-1989) seja a que melhor se enquadra naquilo que entendemos ser o
objetivo precípuo das ciências econômicas: “O objetivo da economia não é a
produção de riqueza, mas proporcionar bem estar
aos indivíduos”, nos diz C. Clark.
O certo é que desde a obra seminal de Adam Smith,
(A Riqueza das Nações) as ciências econômicas vêm ganhando destaque e relevo na
administração pública, guardando assim estreita sintonia com a origem do termo
que remonta ao pensador grego Xenofonte (430-355 a.C) que definiu Economia pela
primeira vez como “administração da casa”; nos dias de hoje, também pode ser
entendido como “administração da coisa pública”.
Feitas essas primeiras incursões o fito deste
artigo se põe agora a discutir junto aos jovens economistas brasileiros qual o
atual e o mais preponderante papel que a economia (enquanto ciência) vem
desempenhando na sociedade moderna e, em especial, em sociedades que amargam
profundas e históricas desigualdades sociais, como é o típico caso brasileiro.
Quantos de nossos jovens, recém saídos das
universidades, diplomados em Ciências Econômicas, se põem a perguntar: quais os
desafios da profissão de economista? E agora, como economista formado, o que
quero e devo fazer? Como devo agir? Quais são as inquietações reflexivas a que
um economista estará exposto? Quais interrogações os cercarão?
Os desafios da profissão em
uma sociedade desigual
Uma primeira constatação que o jovem economista
brasileiro se depara ao chegar ao mercado de trabalho, é que é impossível
fechar os olhos para as gritantes conseqüências sociais que o atual modelo
econômico desagregador impõe a grande parte da população que ora encontra-se
sem emprego, sobrevivendo no limite,
habitando os já conhecidos “bolsões de pobreza”.
Nesse pormenor, a exclusão social será, certamente,
uma situação em que o jovem economista porá um olhar crítico para um completo
entendimento da situação social que o aguarda. Talvez esteja ai o primeiro e
mais importante desafio para os jovens economistas brasileiros desse século
XXI: entenderem as razões que levam um país como o Brasil, com grande potencial
de recursos, a amargar um quadro vexatório em quesitos sociais.
Cabe a esses
jovens economistas tentar explicar como é possível, numa sociedade moderna, a
ocorrência de fortíssima segregação social que põe de um lado os incluídos e,
do outro, os excluídos; os ricos-milionários separados dos pobres-miseráveis;
os sem terra segregados dos latifundiários. Em suma, um país formado por uma
sociedade elitista e uma massificação de excluídos.
Aos jovens economistas conhecedores de história
econômica caberá responder por que ao Brasil, historicamente, coube um papel
específico na economia mundial de grande fornecedor de commodities e, dessa
maneira, enquanto os mercados externos eram (e são) abastecidos pelo trabalho dos brasileiros, a economia
interna regressa no tempo, desamparando os que aqui labutam.
O desafio maior que espera esses jovens economistas
no mercado de trabalho talvez seja estudar, pormenorizadamente, essa exclusão
social a que fizemos alusão a fim de “entender” um país que é capaz de produzir
e exportar aviões, mas incapaz de alimentar decentemente quase 40 milhões de
pessoas. Um país que, por anos a fio, tem sido o maior produtor e exportador de
suco de laranja, mas que abriga dezenas de milhares de crianças que nunca tomaram
um copo desse suco. Um país que fabrica e exporta calçado de qualidade, mas
muitos dentre sua população ainda andam descalços dormindo ao relento dos
grandes centros urbanos.
Está reservado aos jovens economistas brasileiros,
como um dos mais intensos desafios da profissão, responder os motivos de sermos
uma das sociedades mais desiguais do mundo, com forte concentração de renda, em
que os meios de produção estão nas mãos de apenas 6% da população. Um país em
que de cada 20 brasileiros, apenas um é dono de alguma propriedade geradora de
renda (empresa, imóvel ou mesmo o conhecimento).
Esses jovens economistas brasileiros da atualidade,
mais do que qualquer outro profissional das ciências humanas, têm a árdua
tarefa de explicar por que temos uma carga tributária que onera tanto os pobres
(os 10% mais pobres pagam 44,5% mais impostos do que os 10% mais ricos); por
que nossa reforma agrária nunca saiu do papel, sendo nosso país o quinto maior
em extensão territorial do planeta; um país que exporta vitaminas, mas, no
entanto, 40 milhões dos que aqui habitam passam fome.
Especificamente sobre a questão agrária, que no
bojo está implícita o paradoxo de muita terra disponível e muita gente passando
fome, segundo os Cálculos do Plano Nacional de Reforma Agrária – Cadastro do
INCRA – existem, aproximadamente, 55 mil imóveis rurais classificados como
grandes proprietários improdutivos, que controlam 116 milhões de hectares. Eles
são apenas 1% de todos os proprietários rurais do Brasil. Também sobre isso
deverá o economista moderno lançar análise reflexiva.
O desafio da
retomada do crescimento econômico
Esses jovens economistas que ora estão entrando no
mercado de trabalho vão se deparar com uma armadilha específica que põe severas
amarras à economia brasileira. Atualmente, embora o governo afirme o contrário,
a economia brasileira não cresce porque está presa a uma armadilha de altas
taxas de juros e baixas taxas de câmbio que mantém as taxas de poupança e de
investimentos deprimidas. De tal maneira não há espaço para a criação da
demanda necessária (desestímulo ao mercado interno) para que a taxa de
acumulação de capital alcance o nível necessário à retomada do crescimento
econômico.
Crescimento econômico, por sinal, será algo que
deverá perseguir o economista todo o tempo; principalmente aqueles que buscarem
na administração pública uma colocação no mercado de trabalho. Mais do que
encontrar modelos que respondam por uma adequada taxa de crescimento da
economia, deverá o economista, a serviço do setor público, ter clara noção de
que o crescimento econômico para ser solidificado e produzir frutos deverá esse
ser transformado em desenvolvimento.
Para tanto, o economista moderno obrigatoriamente
necessitará ter uma visão ampla do processo social, visto que desenvolvimento
econômico, no dicionário da profissão, significa qualidade de vida, significa
ainda bem-estar a todos.
Combinando compreensão teórica com explicação
técnico-didática, esse profissional somente estará apto a exercer sua
profissão, à medida que conseguir explicar os fatos econômicos dos tempos
atuais com o rigor de excelência que se espera daquelas que tratam a profissão
com esmero. E somente conseguirá fazer isso, mediante uma visão panorâmica do
ambiente econômico, estando, nesse pormenor, aberto ao processo de criação, uma
vez que a sociedade é algo que os homens não param de refazer.
Diante, portanto, de uma sociedade e de sistemas
econômicos (incluindo a atividade econômica) que estão longe de serem
estáticos, pois suas naturezas são dinâmicas, o economista moderno deve antes
ser um analista social capaz de aferir com extrema sensibilidade as
manifestações daqueles que almejam construir uma sociedade plural.
Cabe insistir, nesse pormenor, que em sociedades
com agudos desequilíbrios sociais, o primeiro compromisso da macroeconomia
sempre deverá ser o de erradicar a pobreza, visto que a pluralidade em uma
sociedade somente ganhará espaço quando o coletivo sair fortalecido, embora os
manuais de introdução à economia insistam em pregar o individualismo.
Depois de erradicada a miséria e banido os “bolsões
de pobreza” que ainda marcam a ferro e fogo a história econômica recente desse
país, com a economia doméstica, aos poucos, se ajustando aos padrões de
bem-estar coletivo, pensar-se-á na criação de riquezas, como muitos entendem
ser esse o real e primeiro objetivo da economia.
Antes disso, uma longa e árdua tarefa espera pelos
jovens economistas: a de fazer da economia, por meio da cooperação, uma
ferramenta capaz de incluir. Para tanto, cabe ao observador da economia
entender que essa ciência não se restringe apenas à frieza dos números, das
taxas, dos índices, da econometria, da matematização constante, mas, antes,
trata-se de uma economia que tem no ser humano seu ponto focal; afinal, como
disse Marshall, a economia “é um estudo dos homens tal como vivem, agem e
pensam nos assuntos diários da vida”.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e professor
universitário.
Mestre pela USP em Integração da América Latina e Especialista em Política
Internacional
Autor do livro “Conversando sobre Economia” (ed. Alínea)